Torquato Neto: a coletânea

Na noite de 9 de novembro de 1972, Torquato Neto comemorou o 28º aniversário, despediu-se dos amigos, esperou a mulher adormecer, entrou no banheiro, vedou todas as aberturas e ligou o gás. Deixou apenas um bilhete em que parafraseava um poema de Drummond – definindo-se como alguém que foi visitado por um "anjo torto" e que deveria "desafinar o coro dos contentes" – e pedia prosaicamente que não fizessem barulho para que o filho não fosse acordado.

O gesto encerrava a curta e prolífica carreira de um dos mais brilhantes poetas da segunda metade do século passado. Agora, boa parte do que Torquato Neto produziu volta às livrarias em dois volumes: Torquatália – Do Lado de Dentro (Rocco, 368 págs., R$ 44) e Torquatália – Geléia Geral (Rocco, 408 págs., R$ 49). As novas edições são versões revistas e ampliadas de Os Últimos Dias de Paupéria, obra que havia sido organizada pelo também poeta Waly Salomão e pela viúva de Torquato, Ana Maria Duarte, e que estava esgotada desde a metade dos anos 80. A atual edição foi aumentada com poemas, canções, diários de Torqueato e outros documentos inéditos, como as cartas trocadas entre Torquato e o artista plástico Hélio Oiticica. Praticamente dobrou de tamanho (os dois livros somam quase 800 páginas). Entre os achados, os textos mais reveladores são os poemas da adolescência guardados na casa dos pais em Teresina, que, além de antecipatórios, mostram a afinidade do poeta com escritores de gerações passadas (em especial Ezra Pound e Drummond).

Piauiense, nascido em 1944, filho de um promotor de Justiça e de uma dona de casa, Torquato mudou-se na adolescência para Salvador, onde foi colega de Gilberto Gil. Dessa época, surge também a proximidade com outros tropicalistas, como Capinam e Caetano Veloso – que anos depois dedicaria a seu pai canção Cajuína, falando do "menino infeliz" – e com o cineasta Glauber Rocha e o jornalista Luiz Carlos Maciel. Com esse grupo, Torquato desceria para o Rio e passaria a colaborar em diversos jornais e revistas.

Muitos dos textos reunidos nos dois livros foram publicados em jornais nanicos que não mais existem. Há também "manifestos tropicalistas" de Torquato, entre eles o roteiro do programa de televisão Vida, Paixão e Banana do Tropicalismo, que deveria ser o primeiro da história do movimento, em 1968. Mas a maior parte vem mesmo de Geléia Geral, a coluna mantida por ele no jornal carioca Última Hora entre agosto de 1971 e março de 1972.

Foi através da coluna que Torquato, já um letrista respeitado, passou a alimentar polêmicas e provocar desafetos. E também a se isolar. Nos últimos anos de vida, ele rompeu com Caetano e Gil e entrou numa fase de internações em sanatórios por problemas com alcoolismo. Isso passou a se refletir nas suas colunas. Na última delas, publicada em março de 1972, Torquato deixava antever sua tendência suicida ao falar do sentimento de morrer sozinho, "na pior" e "bem odiado". Ou, como havia antecipado em Pra Dizer Adeus, "Vou pra não voltar/E onde quer que eu vá/Sei que eu vou sozinho".