Uma aula de jornalismo

Foi a mais longa e, para muita gente boa, a mais completa e revolucionária reportagem jamais escrita. "A Sangue Frio" consumiu seis anos da vida do escritor Truman Capote, mas em compensação fez dele um homem rico e uma das maiores influências jornalísticas e literárias das últimas quatro décadas. O livro havia sido publicado no Brasil nos anos 60, com tradução de Ivan Lessa, mas há muito tempo estava esgotado. Agora, a Companhia das Letras, dentro da série Jornalismo Literário, lança uma nova edição. A tradução é de Sérgio Flaksman, o prefácio de Ivan Lessa e o posfácio de Matinas Suzuki Jr.

Truman Capote começou a pensar no livro quando, em 1959, leu no The New York Times uma notícia sobre um assassinato no Kansas. Passou a se dedicar às investigações, entrevistou todos os envolvidos e seis anos depois estava com o livro pronto. Inicialmente, a história foi publicada em quatro partes na revista The New Yorker - onde Capote havia começado sua carreira, em 1941, como office-boy. Além de narrar a morte do fazendeiro Herbert Clutter, de sua mulher Bonnie e dos filhos Nancy e Kenyon, o livro acompanha a trajetória dos assassinos Perry Smith e Dick Hikcock.

Para reconstituir o crime, Truman Capote não usou gravador, caneta, nem nada para anotar o que ouvia. Ele acreditava que as notas ou gravações, durante as entrevistas, criavam uma "falsa atmosfera" e intimidavam os entrevistados. Mas Capote dizia ter lido mais de 8 mil páginas de relatórios, registros, entrevistas e documentos para escrever as 400 páginas sobre o assassinato.
Além dos já citados, "A Sangue Frio" tem diversos admiradores. O jornalista Caco Barcellos, autor de "Abusado", leu o livro mais de 20 vezes. E a lista de fãs ainda traz nomes como Fernando Morais (autor de "Olga" e "Chatô"), Joel Silveira e Paulo Francis.

O jornalista número 1

Outra inspiração jornalística é I.F. Stone, o mais influente jornalista americano do século passado. Izzy Stone nasceu na Filadélfia em 1907, passou pelas redações do Daily Compass, New York Star, Inquirer, New York Post e The Nation, mas, desconfiado de como as informações eram tratadas por seus colegas e pelas empresas, resolveu criar em 1953 o seu próprio jornal, na verdade uma newsletter chamada I.F. Stone's Weekly. Com pouco mais de 5 mil assinantes no começo - mas com nomes de peso como Bertrand Russell e Albert Einstein - a I.F. Stone's Weekly foi um marco no jornalismo. Eram apenas quatro páginas mas que traziam tudo sobre todos os assuntos que envolviam os EUA: da Guerra da Coréia ao assassinato de Kennedy, do macartismo ao Vietnã. Durou 15 anos como hebdomadário e mais três como quinzenal. Chegou a ter até 75 mil assinantes e fazia parte dos clippings que eram lidos pelos presidentes da República. A I.F. Stone Weekly fechou em 1971, porque o esgotado Stone com quase 70 anos estava sem energia, com problemas de visão e de audição e preferindo se dedicar mais a ler do que a escrever. Ainda assim, deixou publicados 12 livros, um deles sobre o julgamento de Sócrates, até morrer em 1989.
Sites recomendados:

Sites recomendados:

  • Companhia das Letras
  • Sobre Truman Capote
  • American Masters
  • The New York Review of Books
  • Sobre I.F. Stone

    Coletiva

  • Torquato Neto: a coletânea

    Na noite de 9 de novembro de 1972, Torquato Neto comemorou o 28º aniversário, despediu-se dos amigos, esperou a mulher adormecer, entrou no banheiro, vedou todas as aberturas e ligou o gás. Deixou apenas um bilhete em que parafraseava um poema de Drummond – definindo-se como alguém que foi visitado por um "anjo torto" e que deveria "desafinar o coro dos contentes" – e pedia prosaicamente que não fizessem barulho para que o filho não fosse acordado.

    O gesto encerrava a curta e prolífica carreira de um dos mais brilhantes poetas da segunda metade do século passado. Agora, boa parte do que Torquato Neto produziu volta às livrarias em dois volumes: Torquatália – Do Lado de Dentro (Rocco, 368 págs., R$ 44) e Torquatália – Geléia Geral (Rocco, 408 págs., R$ 49). As novas edições são versões revistas e ampliadas de Os Últimos Dias de Paupéria, obra que havia sido organizada pelo também poeta Waly Salomão e pela viúva de Torquato, Ana Maria Duarte, e que estava esgotada desde a metade dos anos 80. A atual edição foi aumentada com poemas, canções, diários de Torqueato e outros documentos inéditos, como as cartas trocadas entre Torquato e o artista plástico Hélio Oiticica. Praticamente dobrou de tamanho (os dois livros somam quase 800 páginas). Entre os achados, os textos mais reveladores são os poemas da adolescência guardados na casa dos pais em Teresina, que, além de antecipatórios, mostram a afinidade do poeta com escritores de gerações passadas (em especial Ezra Pound e Drummond).

    Piauiense, nascido em 1944, filho de um promotor de Justiça e de uma dona de casa, Torquato mudou-se na adolescência para Salvador, onde foi colega de Gilberto Gil. Dessa época, surge também a proximidade com outros tropicalistas, como Capinam e Caetano Veloso – que anos depois dedicaria a seu pai canção Cajuína, falando do "menino infeliz" – e com o cineasta Glauber Rocha e o jornalista Luiz Carlos Maciel. Com esse grupo, Torquato desceria para o Rio e passaria a colaborar em diversos jornais e revistas.

    Muitos dos textos reunidos nos dois livros foram publicados em jornais nanicos que não mais existem. Há também "manifestos tropicalistas" de Torquato, entre eles o roteiro do programa de televisão Vida, Paixão e Banana do Tropicalismo, que deveria ser o primeiro da história do movimento, em 1968. Mas a maior parte vem mesmo de Geléia Geral, a coluna mantida por ele no jornal carioca Última Hora entre agosto de 1971 e março de 1972.

    Foi através da coluna que Torquato, já um letrista respeitado, passou a alimentar polêmicas e provocar desafetos. E também a se isolar. Nos últimos anos de vida, ele rompeu com Caetano e Gil e entrou numa fase de internações em sanatórios por problemas com alcoolismo. Isso passou a se refletir nas suas colunas. Na última delas, publicada em março de 1972, Torquato deixava antever sua tendência suicida ao falar do sentimento de morrer sozinho, "na pior" e "bem odiado". Ou, como havia antecipado em Pra Dizer Adeus, "Vou pra não voltar/E onde quer que eu vá/Sei que eu vou sozinho".

    Torquato Neto: a biografia

    "Pra mim, chega" foi uma das últimas frases escritas por Torquato Neto. Estava no bilhete de despedida encontrado ao lado do seu corpo quando ele se suicidou na madrugada de 9 de novembro de 1972. Pra mim chega (Casa Amarela, 234 páginas, R$ 36) é também o nome da biografia escrita pelo jornalista Toninho Vaz, um curitibano de 57 anos que em 2002 havia publicado O bandido que sabia latim, a biografia de outro poeta, Paulo Leminski.

    Resultado de anos de pesquisa, que incluem a realização de 73 entrevistas com pessoas próximas a Torquato – apenas Gal Costa, Maria Bethânia, Waly Salomão, Gilberto Gil e Dedé Gadelha (ex-mulher de Caetano) se negaram a falar –, Pra mim chega teve uma trajetória polêmica, trocando de editora (começou na Record e acabou na Casa Amarela, que publica a revista Caros amigos) e sendo desaprovado pela viúva de Torquato, Ana Maria Duarte. O motivo pode ter sido a revelação do relacionamento de Torquato com Caetano Veloso, que é desmentido pelo músico. "Se você me perguntar se nós éramos namorados, amantes ou coisa assim, eu posso garantir: não!"

    De resto, o Torquato que emerge do livro é o personagem atormentado que já era conhecido através dos relatos dos amigos, parceiros e parentes. O garoto tímido, filho único de uma família piauíense, que desde cedo gostava de ler os poetas Castro Alves, Olavo Bilac, Fagundes Varela e Gonçalves Dias e que aos 15 anos pede ao pai que o transfira para uma escola de Salvador, onde se aproxima de Glauber Rocha, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Com eles, se muda para o Rio. Trabalha em jornais e revistas, produz letras de música, dirige e atua em filmes.

    Quando a barra começou a pesar, com a decretação do AI-5 em dezembro de 1968, Torquato estava em um cargueiro dos correios britânicos, a caminho de Londres. "Vou embora porque alguma coisa vai explodir por aqui", profetizou ele aos amigos que o levaram ao porto. Na temporada européia, dividiu-se entre a Inglaterra e a França, mas quando retornou ao Brasil no começo dos anos 70 não estava muito melhor: havia rompido com os amigos tropicalistas e do cinema novo, declarava se sentir mais deprimido e – por vontade própria – se internou no sanatório do Engenho de Dentro, sendo tratado com doses fortes do calmante Mutabon D. Numa de suas últimas colunas falava de Luiz Melodia e elogiava a música Farrapo humano. Que diz: "Eu choro tanto escondo e não digo / Viro farrapo tento suicídio".

    Saudade de Elis

    Se cantasse em outro idioma - inglês, por exemplo - Elis Regina Carvalho Costa não teria sido apenas a maior cantora brasileira - e, sim, a maior cantora do planeta. Essa certeza começava por ela. Quando foi assinar um dos primeiros contratos - com menos de 20 anos - deixou o produtor atônito com o cachê exigido, justificando que pedia aquilo porque cantava melhor do que Barbra Streisand.

    Afinada, inspirada e com um talento inato para se cercar dos melhores músicos, Elis revolucionou a história do moderno canto brasileiro numa dimensão só comparável a João Gilberto. Não é pouco para um país que já tinha Elizeth Cardoso como um referencial e que na mesma época do aparecimento de Elis viu surgir também Nana Caymmi, Gal Costa, Maria Bethânia e Nara Leão.

    Descobridora e/ou alavanca de algumas das principais carreiras musicais, Elis foi a responsável pelo lançamento de João Bosco e Aldir Blanc, Ivan Lins, Edu Lobo, Gil e Belchior. Deu a Tom Jobim a mais elevada interpretação que seu songbook já mereceu e, em menos de duas décadas de carreira, foi responsável por interpretações insuperáveis em canções como Atrás da Porta, de Chico Buarque, Como Nossos Pais, de Belchior, e Dois pra Lá, Dois pra Cá, de João Bosco e Aldir Blanc.

    Muitas vezes rotulada como explosiva e temperamental, a cantora é lembrada pelos amigos pela generosidade e pela capacidade em descobrir novos caminhos musicais. E, 23 anos depois de sua morte, Elis ainda deixa saudade.

    Zero Hora, 17 de março de 2005.